O testamento não está registrado em cartório? E agora?

O testamento é uma das ferramentas mais poderosas no planejamento sucessório. Por meio dele, uma pessoa pode definir como parte de seu patrimônio será distribuída após a sua morte. No entanto, uma dúvida muito comum é: e se esse testamento não foi registrado em cartório? Ele ainda tem validade? Pode ser anulado?

Neste artigo, vamos esclarecer o que diz a legislação brasileira sobre os diferentes tipos de testamento, explicar quando o registro em cartório é obrigatório e o que acontece na prática quando um testamento é apresentado fora dos trâmites formais.

O que é o registro de um testamento?

Quando se fala em “registrar um testamento em cartório”, geralmente estamos nos referindo ao testamento público, que é aquele feito perante um tabelião de notas. Nesse tipo, o documento é lavrado diretamente no livro do cartório e tem presunção de autenticidade.

No entanto, existem outros tipos de testamento válidos, mesmo sem registro prévio:

Tipos de testamento reconhecidos no Brasil:

  1. Testamento público:
    Lavrado em cartório, com a presença de duas testemunhas. É o mais seguro e difícil de contestar.
  2. Testamento particular:
    Escrito pelo testador, à mão ou por digitação, e assinado por ele e por três testemunhas. Não é registrado em cartório, mas pode ter validade judicial.
  3. Testamento cerrado:
    Escrito pelo testador ou por outra pessoa a seu pedido, lacrado e aprovado em cartório. Só pode ser aberto judicialmente após o falecimento.
  4. Testamento especial:
    Permitido em situações específicas, como militares em campanha ou embarcados em navio de guerra.

Um testamento não registrado em cartório tem validade?

Sim, pode ter validade, desde que:

  • Atenda aos requisitos legais do tipo escolhido (especialmente o particular)
  • Seja apresentado ao juiz no processo de inventário
  • Tenha a autenticidade confirmada por testemunhas ou perícia

Por exemplo, um testamento particular, escrito de próprio punho e com a assinatura de três testemunhas, pode ser aceito judicialmente, mesmo que nunca tenha sido registrado. O juiz analisará sua veracidade no processo.

O artigo 1.876 do Código Civil prevê:

“O testamento particular pode ser escrito de próprio punho ou por processo mecânico, desde que lido e assinado por três testemunhas.”

Se for contestado por outros herdeiros, o juiz poderá exigir perícias ou depoimentos para confirmar a autenticidade.

Quais os riscos de não registrar um testamento?

Embora o registro em cartório não seja obrigatório em todos os casos, a ausência dele pode causar complicações práticas:

  • Maior chance de impugnação pelos herdeiros insatisfeitos
  • Demora na homologação judicial, pois o juiz precisará validar a autenticidade
  • Risco de extravio ou destruição do documento (em testamentos particulares)
  • Dificuldade para localização, caso ninguém saiba da existência do testamento
  • Desconfiança quanto à integridade ou vontade real do testador

Ou seja, um testamento particular pode até ser válido, mas a falta de registro pode abrir espaço para disputas familiares e atrasos na partilha.

O que acontece no processo de inventário?

Ao iniciar o inventário, o juiz pergunta se existe testamento. Se os herdeiros apresentarem um testamento não registrado, ele deverá ser submetido à análise judicial em um processo chamado confirmação de testamento (ou “abertura, registro e cumprimento”).

Esse processo ocorre paralelamente ao inventário, e apenas após o juiz homologar o testamento é que ele será aplicado.

Se o testamento for considerado inválido (por vício de forma, rasuras, ausência de testemunhas, ou indícios de coação), ele pode ser anulado.

Exemplo prático

Imagine que João escreveu um testamento de próprio punho, destinando 30% de seu patrimônio a um amigo, e os outros 70% aos filhos. Após sua morte, o documento é encontrado em uma gaveta.

Nesse caso, o testamento precisa ser apresentado ao juiz e as testemunhas devem confirmar sua autenticidade. Se o juiz entender que há validade legal, ele será respeitado.

Agora, se um dos filhos contestar o testamento e for verificado, por exemplo, que a assinatura não é do falecido, o documento poderá ser anulado — e os bens serão distribuídos conforme a regra da herança legítima.

Como garantir que um testamento seja cumprido corretamente?

A melhor forma de evitar problemas é:

  • Fazer um testamento público em cartório
  • Nomear um testamenteiro (pessoa de confiança para acompanhar o cumprimento do testamento)
  • Informar os herdeiros e pessoas próximas sobre a existência do testamento
  • Reforçar os desejos por escrito, com cláusulas claras e objetivas

Além disso, é possível registrar o testamento no Colégio Notarial do Brasil, garantindo que ele seja localizado após o falecimento.

Dica extra: testamento + planejamento sucessório

Um bom testamento pode ser ainda mais eficaz quando faz parte de um planejamento sucessório mais amplo, incluindo:

  • Doações em vida com cláusulas de usufruto e inalienabilidade
  • Holding familiar para concentrar patrimônio e ações
  • Seguros de vida e previdência privada com cláusula de beneficiário (não entram no inventário)

Com isso, o testador distribui parte dos bens ainda em vida e reduz a complexidade do inventário.

Finalizando: segurança acima de tudo

Um testamento não registrado em cartório pode ter validade, mas é um caminho mais arriscado e sujeito a disputas. Se você deseja garantir que sua vontade será respeitada, o ideal é formalizar o documento com a ajuda de um cartório e de um advogado de confiança.

Isso não apenas evita desgastes entre herdeiros, como também transmite segurança jurídica e paz para a família no momento mais difícil.


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