A partilha dos bens é apenas o começo. Após a conclusão do inventário, os herdeiros se tornam proprietários formais do patrimônio deixado — mas isso não significa que os problemas acabaram. Muitas famílias enfrentam desorganização, desperdício, conflitos e até a dilapidação total da herança.
Se você deseja que seu legado seja preservado, precisa ir além do testamento. É preciso pensar em como garantir que a herança seja bem administrada pelos herdeiros. Neste artigo, vamos apresentar estratégias jurídicas e práticas que ajudam a proteger o patrimônio familiar após a sucessão.
Por que tantas heranças se perdem?
Existem várias razões pelas quais o patrimônio herdado pode ser mal gerido:
- Falta de preparo financeiro dos herdeiros
- Conflitos internos que resultam em decisões ruins
- Venda apressada de imóveis e empresas
- Ausência de planejamento tributário
- Não pagamento de impostos, como o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação)
- Má administração de aluguéis, contas, investimentos e propriedades
Quando não há um plano claro, é comum que o patrimônio acumulado ao longo de décadas seja diluído em poucos anos.
Estratégias para proteger o patrimônio após a herança
1. Indicar um testamenteiro responsável
O Código Civil (art. 1.883) permite que o testador nomeie um testamenteiro — uma pessoa de confiança com a função de zelar pelo cumprimento da vontade expressa no testamento.
Esse indivíduo pode ser autorizado, por exemplo, a:
- Vender bens para pagar dívidas
- Supervisionar a partilha
- Aplicar rendimentos conforme orientações deixadas
A nomeação de um testamenteiro evita decisões precipitadas e atua como um agente conciliador entre os herdeiros.
2. Utilizar cláusulas restritivas em doações ou testamentos
É possível, por exemplo, deixar um bem em testamento com cláusulas de inalienabilidade, impenhorabilidade e incomunicabilidade. Isso significa que o herdeiro:
- Não poderá vender o bem (inalienabilidade)
- Não poderá ter o bem usado para pagar dívidas (impenhorabilidade)
- Não poderá partilhar o bem com o cônjuge (incomunicabilidade)
Essas cláusulas ajudam a evitar a dilapidação do patrimônio e protegem os bens em situações de casamento, divórcio ou dívidas do herdeiro.
3. Constituir uma holding familiar
A holding patrimonial é uma empresa criada exclusivamente para administrar bens da família — como imóveis, investimentos e negócios. É uma forma eficaz de:
- Manter o controle centralizado
- Reduzir o impacto do ITCMD na transferência dos bens
- Estabelecer regras de governança e administração
- Evitar conflitos diretos entre os herdeiros
A criação de uma holding deve ser acompanhada por advogado e contador especializados em planejamento sucessório.
4. Utilizar seguros de vida e previdência como forma de equalização
Muitas vezes, um dos filhos herda a empresa da família, enquanto os demais não têm interesse. Para evitar conflitos, pode-se deixar:
- A empresa para um herdeiro com vocação empreendedora
- Seguros de vida ou previdência com beneficiários os demais filhos
Dessa forma, todos são contemplados de forma proporcional, sem comprometer o funcionamento do negócio herdado.
5. Nomear um administrador provisório no testamento
É possível designar um herdeiro ou terceiro como administrador provisório dos bens, até que a partilha seja concluída ou que os herdeiros estejam prontos para assumir a gestão.
Esse administrador pode ser orientado a:
- Gerir imóveis alugados
- Cuidar das obrigações fiscais
- Preservar o valor dos bens móveis (veículos, obras de arte, etc.)
Orientações para os herdeiros: o que fazer depois da partilha?
Após o inventário, os herdeiros devem agir com organização. Algumas recomendações práticas:
- Formalizar acordos por escrito (em casos de copropriedade)
- Registrar os imóveis no cartório de registro de imóveis em nome dos novos proprietários
- Atualizar titularidade de contas bancárias, veículos e aplicações
- Criar uma planilha de controle patrimonial
- Buscar orientação contábil e jurídica para decisões estratégicas
Se houver herança em condomínio (ex: irmãos que herdam um imóvel juntos), o ideal é estabelecer regras claras de uso, manutenção e eventual venda.
Exemplo prático: preservando uma fazenda de valor histórico
Imagine um pai que possui uma fazenda centenária. Ele tem três filhos: um vive na cidade, outro tem interesse no agronegócio e o terceiro quer vender tudo.
Para evitar a venda da propriedade e possíveis brigas, o pai pode:
- Constituir uma holding rural, transferir a fazenda para ela
- Nomear o filho agricultor como gestor com poder limitado
- Incluir cláusulas para que a fazenda só possa ser vendida com consentimento unânime
- Garantir recursos aos demais filhos via seguro de vida e investimentos
Assim, o patrimônio é preservado e a harmonia entre os herdeiros é mantida.
E se os herdeiros não conseguirem administrar bem?
Se o testador não tomou medidas preventivas e os herdeiros entrarem em conflito ou má gestão, algumas alternativas são:
- Vender os bens e dividir o valor (solução mais comum)
- Buscar mediação jurídica para encontrar soluções conciliatórias
- Nomear um inventariante dativo, se ainda estiver no processo
- Recorrer à Justiça em casos graves de má-fé ou gestão temerária
Legado não é só dinheiro. É também organização.
Deixar bens é importante. Mas tão importante quanto isso é deixar instrumentos para garantir que esse patrimônio seja bem cuidado e gere frutos para as próximas gerações.
Com o apoio de advogados, planejadores financeiros e cartórios, é possível desenhar uma sucessão que respeite a vontade do titular e preserve a união e o bem-estar da família.